Viagens

Foram umas das férias mais divertidas da minha vida. Não mais lá voltei, mas na minha memória não mais de lá saí.

Tinha doze anos. Juventude e hormonas no auge. Primeiros amores, primeiros romances. Toda a paciência do Alentejo à minha espera.

A minha tia, irmã da minha mãe, vivia numa casa de campo, às portas de Grândola. Rodeada de planícies a perder de vista, barragens de águas puras, onde pastavam pachorrentas vacas, era o paraíso na terra.

Os meus primos, de quinze e dez anos, e o recém-nascido de cinco meses, faziam as minhas delícias. Três rapazes e uma rapariga. Coitada da minha tia, andava sempre com os cabelos em pé.

Recordo com saudade o cheiro da terra, os banhos demorados na barragem, com as espantadas vacas de olhos postos em nós, enquanto mugiam sons incompreensíveis. Era excitante pensar que corríamos perigo, embora tivéssemos a certeza que não

De vez em quando íamos às piscinas municipais à vila. A pé. De mão dada com o meu primo mais velho cantarolávamos pela estrada fora. Fingíamos que eramos namorados. Embora nem um beijo tivéssemos trocado. No regresso, vínhamos de táxi. Trazíamos pizza e as compras que a minha tia encomendava.

Há noite também gostávamos de ir ao café da aldeia mais próxima. Lá nos entretínhamos a jogar dardos. Às vezes íamos a casa de um amigo dos primos. 

Que saudades que tenho daqueles tempos. Tempos em que o tempo dava para tudo o que nós queríamos fazer. O que queríamos ser.

O verde dos campos, a caloraça infernal. O comboio que passava perto da casa. Os vizinhos, poucos, naquele monte mais que isolado, em que tudo girava à volta do pastoreio. A Estrada Nacional em pano de fundo. Recordo um pormenor engraçado: ainda não havia autoestrada, então todo o trânsito circulava na Nacional. Na altura da concentração de motos no Algarve, ficávamos deliciados a ver os motards cruzarem a estrada, primeiro em direção a Sul, depois em sentido contrário.

A casa da minha tia era muito antiga. Nem casa de banho tinha. Lembro-me dos banhos de alguidar intermináveis. Do mato transformado em local de alívio das necessidades básicas. Tudo era maravilhoso.

Em frente da casa havia um solar. Abandonado. Por brincadeira chamávamos-lhe “casa assombrada”. Nunca tive coragem de lá entrar. Os meus primos desafiavam-me, mas faltou-me sempre a bravura. Hoje tenho pena de não me ter atrevido.

Dividia o quarto com o meu primo mais novo. O mais velho dormia num colchão no chão. No outro quarto da casa dormiam os meus tios e um terceiro servia de arrumos / despensa / sala dos nossos banhos de alguidar.

Eramos tão felizes. Com pouco, mas com o coração cheio de vontade de viver, sorrir, pular e saltar. Não havia chatice, aborrecimento ou preocupação que nos afetasse.

Quando os meus pais chegaram, fiquei triste. A hora da partida avizinhava-se e eu já sentia saudades daqueles dias.

Ainda hoje, quando por lá passo – muitas viagens faço pela Estrada Nacional – nunca deixo de olhar para aquele lugar onde fui tão feliz. De ver as transformações que, entretanto, surgiram. Até a entrada para o monte está diferente. Digo sempre “ali morava a minha tia, quando passei férias com ela”. E, embrenhada pelas memórias, sou feliz novamente…

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